Esta cena dava um filme

Vâo ver o Listen antes que tudo reconfine

Desde fevereiro tenho pensado muitas vezes que tudo isto dava um filme, daqueles que eu em princípio não iria ver. Foi nos finais de fevereiro que a loucura foi começando, primeiro aos poucos e depois tudo de uma vez, tal como acontece com a perda de dinheiro dos homens milionários.

Olhar para trás para o medo dos chineses, das suas lojas e dos restaurantes parece uma anedota. Olhar para trás e ver-nos fechados meses parece um pesadelo. Pensar que depois de uma coisa a outra se seguiu parece uma trip de um qualquer ácido num cerebro alucinado.

Entre tudo o que nos foi tirado as idas ao cinema estão naquele grande grupo que me faz falta. Streeming é bom, mas não é a mesma coisa, nem lá perto! Por motivos que quem me lê saberá eu já estava confinada antes do confinamento, e com tudo isso e a maternidade um ano passou sem que visse um filme num grande ecrã, com pipocas demasiado doces e tudo o que se tem direito.

Um ano, nunca desde que sou gente com algum poder sobre mim tal tinha acontecido. Comecei a ser amante de cinema nos longínquos anos 90 na cave do Centro Comercial Charlott em Loulé onde ia ver filmes para maiores de 12 quando ainda nem tinha 10 anos. Numa altura em que as pessoas não tinham medo de ser responsabilizadas por tudo e por nada, lá ia eu sozinha ou com amigas. Aí, vi entre o outros o Jurassic Park. Aquele cinema e a biblioteca municipal eram a minha janela do mundo. Mais tarde com escola vi no Cinteatro de Loulé o icónico La Haine, que se mantém o meu filme preferido até hoje. Depois foram temporadas de outono-inverno a ir todos os fins de semana ao Cinema de Vilamoura, ainda sonho com aquelas poltronas fofinhas e grandes. Em Vilamoura vi centenas de filmes, entre eles o Titanic. Na universidade em Lisboa abriu-se todo um mundo novo e as idas ao cinema passaram a ser muito mais frequentes para poder responder à oferta imperdível. Depois, na vida adulta a sério, o cinema do shopping da guia e de fórum algarve, o cineclube de faro e o cinema ao ar livre que os municípios oferecem no verão têm feito as minhas delícias.

Além da grande tela sempre adorei videoclubes onde fui anos a fio todas as quartas feiras, e depois disso as plataformas de streaming que foram fechando e surgindo à medida que as opções menos respeitadoras de direitos de autor deram lugar às que justamente se pagam.

Ontem voltei ao cinema e soube-me muito bem, não foi num novo normal, foi mesmo numa total anormalidade que respeito enquanto for preciso, mas não aceito para sempre! Vi o Listen um filme profundo que questiona o que deve ser o poder do estado sobre as crianças e jovens, leva a perguntar se apoiar é dar condições ou um julgamento mascarado de ajuda em que não há empatia ou análise ponderada da situação. Em Portugal a lei, valoriza a família e o técnicos no terreno, grupo em que me tenho incluído, vão dando oportunidades de mudança e o apoio possível, mesmo que tal possa promover um maior respeito pelo tempo das famílias do que o respeito pelo tempo das crianças necessariamente menor.

Deste filme, com uma Lúcia Moniz brilhante, se tira que agilizar o apoio à infância só é importante se se conseguir fazer bem feito em menos tempo, se não de nada nos serve e pode criar um problema maior do que o inicial.