Tolerância

Olhão, 2022

No dia em que se iniciou a comemoração do centésimo aniversário do nascimento de José Saramgo ouvi da boca da filha do escritor esta citação:

“Eu sou contra a tolerância, porque ela não basta. Tolerar a existência do outro e permitir que ele seja diferente ainda é pouco. Quando se tolera, apenas se concede, e essa não é uma relação de igualdade, mas de superioridade de um sobre o outro. Sobre a intolerância já fizemos muitas reflexões. A intolerância é péssima, mas a tolerância não é tão boa quanto parece. Deveríamos criar uma relação entre as pessoas da qual estivessem excluídas a tolerância e a intolerância”. José Saramago

A verdade é que desde esse dia, há algum tempo, deixei de ver essa palavra como algo positivo e passei a vê-la como significando “eu como sou boazinha papo contigo mesmo achando que isto sem ti era bem melhor!”, ou ainda “deixa-te estar para aí que eu não me oponho”. Quem somos nós para tolerar (ou não) a forma de viver dos outros, desde que a liberdade deles e a nossa não sejam beliscadas.

Os outros não fazem parte do cenário que muitas vezes achamos que deve existir para a nossa felicidade. Reparem que não falo aqui só de influenciar a minha vida porque há coisas que não influenciando diretamente a minha vida não devem existir na minha perspetiva. Ultimamente, por exemplo, tenho pensado sobre as novas formas de ter filhos e eu não quero ter mais filhos. Penso sobre as barrigas de aluguer de casais já com idade avançada, penso nos filhos só um pai ou só de uma mãe e da forma como desde o nascimento podem já estar a ser limitados nas suas relações primárias. Penso em que medida estes pais têm o direito de ter os filhos desta maneira e se será que isso não colide com o direito dos filhos de ter ambos os pais e pelo máximo tempo possível. São perguntas ainda sem resposta, mas não deixo de pensar sobre isto ainda que, como já disse, em nada influencie a minha vida e não condicione as minhas decisões nem seja para já alvo da minha tolerância ou intolerância.

O individualismo, essa estratégia a que tanto nos apegamos, é também ele muito questionável e vejo-a cada vez mais como uma defesa e uma desgraça. O “não me envolvo, não quero saber, sinto-me só” deve ser combatido como “ser parte,debater, discordar partilhar, envolver-me e com isso por vezes sofrer”.