Mas o Livro é melhor

Vida e Mortes de Faustino Cavaco foi o melhor livro que li em 2024, como já aqui havia escrito.

Foi melhor pela enorme riqueza da história, foi melhor porque mesmo sabendo as linhas gerais de antemão conseguiu ser surpreendente a cada página. Arrisco a dizer que sem qualquer truque de escritor de escaparate Faustino prende e fascina a cada página. Faz isto, não porque tenha feito cursos de escrita criativa ou porque tenha contratado um qualquer escritor fantasma, faz isto porque tem uma história incrível para contar e viveu o suficiente para o poder fazer. Há uma amoralidade e uma megalomania que surpreendem na personagem literária que Faustino Cavaco se mostra, sendo assustadora na mesma medida que encanta .

Queria, quero, uma reedição. Se sair, estarei na fila para ser proprietária de um exemplar.

Das muitas passagens interessantes, fascinei-me sobretudo com as que se referem aos assaltos antes prisão, e gostei particularmente de uma cena de quase sexo que me fez rir. Deixo-vos uma passagem:

“Ela foi para a casa de banho e quando voltou já eu estava todo nu em cima da cama.
– Ó senhor, ponha-se debaixo das mantas que me envergonho.
– Deixa-te de fitas e despe já a camisa de dormir.
– Só me deito consigo se me comprar uns sapatos.
– Dois pares! – disse eu.” p.223

Da cadeia achei especial a seguinte descrição:

” Isto é uma cadeia para endireitar toda a gente. Se algum de vocês está com más ideias, aqui usa-se a lei do mais forte. Portanto, se algum tiver manias e se armar em esperto ou engraçado sofrerá consequências. Aqui é à base de pancada, não se brinca, tudo quanto se faz é a sério. E mais, aqui não há homens fortes. Se algum de vocês veio com essa ideia aconselho a deixarem os tomates lá fora. Se não o fizerem, irão saber o que é o regime de Pinheiro da Cruz. Eu não bato em ninguém, já estou um bocado velho para isto, mas há cá pessoal especializado para esse fim. Podem também meter isto na cabeça, quando alguém bater nunca será com as mãos. Poderá ser com cassetete, com paus, com ferros, com cordas ou com o que tiver à mão e sirva para esse fim. E uma coisa que não admito é queixas de ninguém, porque os guardas quando batem têm sempre razão.” p.426

Recentemente vi a série O americano na RTPPlay. Os episódios, que nem sempre respeitam a ordem cronológica dos acontecimentos, sendo aceitáveis não estão à medida da maravilha que é o livro. A cronologia é importante porque mostra a viagem de Faustino ao mundo louco onde tudo é posssível e a forma como as suas decisões foram sendo tomadas. Neste caso, e como geralmente acontece, a série vê-se, mas o livro é melhor. Se puderem leiam esta pérola.