Eu devia ter lido o Flaubert

Começo por dizer que senti muita falta de ter lido Flaubert antes de ler este sucedâneo. Muitas vezes senti que estava a ser chamada para uma conversa sobre alguém não conheço, e que no limite até me era dito ” – Não achas?!?” após serem tecidas as maiores críticas ou os melhores elogios. Embaraçoso. Podia ter lido e arrisco a dizer que o devia ter feito, mas até agora não aconteceu. Não me agrada o tom em que o autor presume que todo o leitor é conhecedor profundo de Flauber, ao estilo de alguns professores que tratam o aluno como uma fonte inesgotável de cultura geral. O aspeto positivo disto é fiquei com muita vontade de ler o Madame Bovary, pelo menos.  

Quanto a este O papagaio de Flaubert propriamente dito, é um livro Vai-e-vem em que se iniciam muitas conversas que depois não têm fio condutor, que reaparecem mais tarde também sem chegarem a dizer nada. “Ah e tal vou falar de mim e da minha mulher, espera aí, afinal não. Agora é que vou dizer…bem, eu depois digo”. 

Gostei da ideia de que biografar é escolher e que há um conjunto grande de passados possíveis, consoante os acontecimentos que se querem selecionar e combinar e o enfase que se quer dar. Reafirmando a ideia de que tudo é ponto de vista, se alterarmos o sítio onde nos encontramos já se vê algo completamente diferente. O ângulo altera-se muito quando as pessoas passam a ser descritas após morrerem e sobretudo após serem reconhecidas pelo grande público. Uma visão extrema do ditado popular “Queres ser bom, morre ou ausenta-te!” 

Muito sentido de humor na assunção de dois papagaios absolutamente originais, o será que houve algum papagaio e ainda a arrecadação cheia de papagaios.  Os recursos racionais não são os indicados para avaliar a Literatura. Por exemplo, no poeta fingidor de Fernando Pessoa n, ou sobre o amor de Camões que dói e não se sente não há como confrontar dizendo “bem, como é que é ou tem dor ou não?” qual médico em diagnóstico. Não é a vida, é arte. Aqui fala-se dos olhos indescritíveis de Madame Bovary e das incongruências das suas descrições que nada mais devem ser do que a tal arte e os limites da avaliação de verossimilhança, que pode roçar a estupidez. Criticar implica dominar a linguagem.  

Foi uma leitura de insistência, mas sem sofrimento que me leva a pensar que não voltarei a Julian Barnes. Não foi mau, mas não quero mais.  

Deixo uma frase de que gostei muito – “Afinal é fácil não ser escritor. A maioria das pessoas não são e pouco mal lhes vem deste facto.” p.155