Botinhas

Sabem quando um sítio nos faz sonhar. Ou melhor, nos faz pensar que estamos num local com que sonhamos muitas vezes, a dormir e acordados. Sonho com a escola.

A escola onde andei 5 anos, já não existe. A escola daqueles 5 anos decisivos na vida de todos nós, daquele período do 5.º ano 9.º ano. O sítio está lá mas a escola, o edifício e, mais importante, as pessoas que nele viviam os seus dias ou já não existem, ou não estão lá e certamente mudaram muito.

Nesses 5 anos lá, aprendi a viver mais do que em qualquer outro sítio. Mais do que os conteúdos das disciplinas foram as pessoas que mais me interessaram, e que ainda hoje mais me interessam. Se qualquer coisa não tem pessoas, não tem graça nem interesse.

Dei por mim numa escola muito parecida e só isso já me fez feliz, entrei a sorrir como se estivesse a voltar àquele universo povoado de figuras marcantes como o Bife, a Camila, o Esqueleto Vaidoso, o Pitéu Conguito ou o Botinhas.

O ponto alto foi a escada em caracol, igual à da minha memória. Afinal, é do Botinhas que vos vou falar hoje, mas deixo a ressalva que estas histórias vêm de tempos longíquos em que os animais falavam e o bullying ainda não tinha sido inventado.

O Botinhas, moço de pequeníssima estatura mas de pés grandotes, a quem cabia a tarefa de ir para escola com uns ténis acima do tamanho. Estava num grupo grande de malta que fazia apostas com tudo, mas absolutamente tudinho. Apostas que muitas vezes não davam em nada e que começavam sempre com um “Queres apostar?!?” e que em dias de juizo acabavam com um “Já dizia a minha avó: teima, teima mas nunca apostes!”. Mas esse dia que recordo não foi ajuizado.

A aposta saiu assim: “Apostamos 500 escudos, como não és capaz de ir para o topo da escada dos professores e quando a professora de matemática for a descer segurar a peruca!” Ao que ele destemido respondeu: “Mostra a nota!”

500 escudos, eram uma pequena fortuda que permitia aceder a deleites como cachorros cacete da Camila, bolos pretos e copos de coca-cola. E o Botinhas não costumava ver muitas notas castanahs dessas.

No dia seguinte a professora mostrou a careca, o botinhas foi ao conselho diretivo e nós pagámos o dinheiro devido. Mas o mais importante foi o Botinhas ter vivido as consequências. Aos meus olhos de adulta as implicações foram todas negativas, no entanto para todos os pré-adolescentes ali presentes ele transformou-se num herói. Num gesto acedeu ao olimpo do ciclo com gritos de aclamação, embora tenha chumbado o ano. Talvez reprovasse na mesma, afinal não era nem a primeira nem a segunda vez que isso acontecia!