Aqueles Natais

Os natais da minha infância eram antecedidos de um período mágico de férias em casa dos avós. Onde tudo era feito com tempo, com calma mas muita persistência. Acordava-se cedo, ainda de noite.
De manhã, o meu avô acendia o fogo, assim chamávamos, e ainda chamamos à lareira, que tinha uma função central nas nossas vidas, era a nossa torradeira, o fogão, o aquecedor, a televisão, bem, era quase tudo. Esse acender do fogo feito pelo meu avô, era um ritual, uma dança precisa, capaz de envergonhar o servir do chá dos chineses. Sempre igual, igualzinho e meticuloso. Ia buscar tudo o que precisava, os vários tipos de lenha e de arbusto, o papel os fósforos e só depois enrolado e de cócoras iniciava a operação.
A seguir era esperar para fazer lá pão torrado e beber leite com cevada, a que ingenuamente sempre chamei café.
Os dias corriam lentos entre camisolas de malha e geada pelo vale. Brincávamos muito, eu, o meu primo e outras crianças, sem brinquedos e sem qualquer mediação do adulto, nós criávamos as brincadeiras, muitas vezes parvas do ponto de vista do adulto, e nós resolvíamos os nosso problemas.
À noite, que bem vistas as coisas devia ser à tarde, ficávamos ali sentados mais uma vez em volta da lareira enquanto conversávamos, sobre tudo e sobre nada, a minha avó ensinou-me que se pode mostrar que se gosta muito de alguém sem nunca o dizer.
Nesses dias que pareciam infinitos, havia espaço para ir pensando no Natal.
Depois havia o dia 24, em que já acordávamos com um sorriso. A minha mãe ia lá ter nesse dia depois dos afazeres profissionais que ocupavam quase todo o espaço. O meu pai também, mas sempre pouco envolvido. O natal é para ele algo a que vai, não algo que se vive.
Quando os adultos e os adolescentes, já indisponíveis para férias com os avós, chegavam comíamos muito, sem que me lembre de nada em concreto, e conversávamos mais ainda. Era uma coisa muito diferente dos natais ensaiados de hoje, não nos sentávamos todos à mesa porque não cabíamos, e sobretudo porque não queríamos. Íamos dando lugar uns aos outros entre o fogo desejado e a mesa. Também não havia uma ordem ou sincronização para comer, íamos comendo, e disso percebemos nós. Somos os maiores a fazer render refeições.
Trocávamos prendas, sou a primeira geração da minha família em que as prendas deixaram de ser somente úteis para ser algo que te faz feliz. Sim, também recebia pijamas e camisolas de interior, mas não só. Havia lugar para a brinquedos, de que estranhamente não me lembro. Pelo menos não me lembro com a mesma emoção com que recordo aqueles dias de esperas, aquela dança das cadeiras pelos lugares à volta do fogo. O melhor do Natal não era o natal, éramos nós.
Claro que esse nós deu lugar a outros nós, e isso não é pior, mas é diferente. A vida prolonga-se, refaz-se e vamos encontrando novas felicidades.
Feliz natal!